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NASTÁCIA – Quando Dostoiévski fala às mulheres de hoje

  • Foto do escritor: Levada Cultural
    Levada Cultural
  • 27 de jun.
  • 4 min de leitura

Um impacto teatral e visual direto do Brasil para o Festival OFF d’Avignon 2025


E se Nastássia Filíppovna pudesse, finalmente, contar sua versão da história?


Em "Nastácia", adaptação livre e potente de O Idiota, de Fiódor Dostoiévski, a voz é devolvida àquela que, tantas vezes, foi silenciada. Em vez da doçura passiva do príncipe Míchkin, é a lucidez cortante de Nastácia que conduz a narrativa. Uma mulher marcada por humilhações, rejeições e idolatrias que, em um gesto final de fúria e consciência, decide não se calar mais.


Criado durante a pandemia da Covid-19, o espetáculo percorreu diversas cidades do Brasil – de Rio de Janeiro a Belo Horizonte, passando por apresentações online e presenciais com plateias reduzidas. Agora, em 2025, chegapela primeira vez à cena internacional, a convite do Festival OFF d’Avignon, trazendo à Europa uma história que toca o mundo inteiro.


Um grito contra o apagamento feminino

Nastácia foi ovacionada por onde passou. A montagem, dirigida por Miwa Yanagizawa, transforma um clássico da literatura russa em um manifesto vivo sobre as violências e silenciamentos sofridos pelas mulheres até hoje.


Em um Brasil onde uma mulher é assassinada a cada 6 horas (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023) e uma França onde uma mulher é morta por seu companheiro a cada 3 dias (Ministère de l’Intérieur, 2023), Nastácia não é só teatro: é denúncia, rito e confronto.

Fazer um espetáculo como Nastácia é se postar diante do espelho do horror e da exuberância da vida. É olhar sem virar o rosto para uma realidade lamentável baseada nos mais sórdidos sentimentos humanos de dominação, ditada por um sistema patriarcal e capitalista, misógino, elitista, classista, racista, que produz as mais perversas e violentas relações com o corpo feminino e reduz a mulher a objeto de uso, abuso e demonização.


Contudo, assim como Nastácia, fazer o espetáculo me proporcionou um espaço para buscar mais consciência de tudo aquilo que nos degrada – digo isso como mulher, artista, amarela, de classe média, 60 anos, constrangida e violentada por esta mesma sociedade – e multiplicar os meios para transformar essa conscientização em resistência através da arte, da denúncia, da solidariedade e do afeto.


Proporcionou a mim participar de um levante feminino magnífico, que atravessa os tempos – feliz e infelizmente – e que não pode jamais arrefecer, porque o contrário disso é a morte, o silenciamento e a violação dos corpos femininos, como nos mostram, diariamente, as notícias nas redes e as estatísticas oficiais sobre a violência contra a mulher, no Brasil e no mundo.


Miwa Yanagizawa

Uma performance que fere e cura

A interpretação de Flávia Pyramo dá nova vida à personagem Nastássia Filíppovna – uma das figuras femininas mais comoventes da literatura russa. Ao seu lado,Chico Pelúcio e Lenine Martins entregam atuações arrebatadoras, representando a brutalidade, o poder e a cegueira de um patriarcado ainda pulsante.

Interpreto Nastácia com o coração em chamas, porque sei que, na plateia, há mulheres vivendo essa tragédia em tempo real”, revela Flávia.


Cada gesto, cada silêncio é meticulosamente orquestrado por Yanagizawa, que conduz o elenco como um maestro em uma partitura onde as pausas dizem tanto quanto as falas.

Uma experiência sensorial e simbólica

O cenário, assinado pelo estilista e artista Ronaldo Fraga, transforma o palco em um espaço de memória e projeção. Molduras vazias, figurinos que misturam a Rússia czarista com o Brasil contemporâneo – tudo convida o público a se enxergar e se perder ali.


As imagens do cineasta Cao Guimarães invadem o palco como fantasmas das mulheres apagadas pela história. A peça se torna então uma instalação viva, onde teatro, vídeo, moda e performance se fundem.


Por que esta peça é agora?

Em tempos de retrocessos e banalização da violência, Dostoiévski, através de Nastácia, fala sobre um mundo onde o poder e o dinheiro justificam todo tipo de abuso. Em pleno 2025, essa leitura ainda ecoa com força — no Brasil, na França, e em tantos outros lugares.

Nastácia é uma homenagem às que foram silenciadas.Mas, sobretudo, é um tributo àquelas que hoje resistem, denunciam, escrevem, criam e ocupam espaços de fala.

Um espetáculo que convoca

Em cada sessão, uma comunhão se forma. O público não é espectador passivo: é cúmplice, espelho, parte da transformação. Uma celebração que se converte em julgamento, um rito onde estatísticas viram rostos, corpos e vozes.


O teatro é onde a transformação começa”, afirma Miwa Yanagizawa.

Nastácia não vai te deixar ileso. E é exatamente por isso que você precisa assistir.


SERVIÇO – Festival OFF d’Avignon 2025

Título: Nastácia

Duração: 1h30

Idioma: Português, com legendas em francês

Local: (A confirmar)

Datas: 5 a 26 de julho

Elenco: Flávia Pyramo, Chico Pelúcio, Lenine Martins

Direção: Miwa Yanagizawa

Cenário e figurinos: Ronaldo FragaVídeo: Cao Guimarães

Luz: Chico Pelúcio e Rodrigo Marçal

Trilha sonora original: Gabriel Lisboa

Direção de movimento: Tuca Pinheiro

Consultoria teórica: Paulo Bezerra e Flávio Ricardo Vassoler

Design gráfico: Paola Menezes

Fotografia: Ana Colla, Cao Guimarães, Geniane Vieira, Guto Muniz, Priscila Natany, Janderson Pires

Produção na França: Lison Bellanger

Direção de produção: Silvio Batistela

Coordenação geral: PyrAmo ProArte

Concepção original: Flávia Pyramo

Comunicação: Fernando Henrique

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